Medidas Atípicas nos Processos de Execução e os Requisitos para sua Aplicação
- Andrew Almada
- 22 de ago.
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A inadimplência é um problema crescente no Brasil. Segundo dados da Serasa[1], em junho, o país registrou 77,8 milhões de inadimplentes, um aumento de 1,04% em relação ao mês anterior. A faixa etária entre 41 e 60 anos é a mais afetada, representando 35,2% dos endividados. A alta inadimplência reflete diretamente nos processos judiciais, pois, conforme os dados do CNJ, o Justiça em Números, aponta em torno de 7.171.512 processos pendentes desta natureza no País[2], ressaltando a importância de mecanismos eficazes para a recuperação de créditos, um desafio enfrentado por muitos credores.
O Código de Processo Civil (CPC) prevê diversos meios de cobrança, sendo a penhora de bens a principal. O Artigo 835 do CPC estabelece uma ordem de preferência para a penhora, visando a satisfação do débito de forma mais eficiente. Essa ordem começa com dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, seguindo para títulos da dívida pública, títulos e valores mobiliários, veículos, imóveis, e outros bens.
Mesmo com a previsão legal desses meios, é comum que credores encontrem dificuldades, ou até mesmo a impossibilidade, de reaver seus créditos, mesmo após esgotarem todas as tentativas e utilizarem os sistemas de apoio do Poder Judiciário, a título exemplificativo: CNIB (central que lança indisponibilidade sob os bens), SISBAJUD (penhora de valores), RENAJUD (localiza veículos), SERASAJUD (restrição creditícia do(a) devedor(a), etc. O insucesso do retorno dessas ferramentas leva muitos a buscarem alternativas diversas para forçar o cumprimento das obrigações.
Estas alternativas são às chamadas medidas atípicas de execução, que são ferramentas não convencionais para garantir o cumprimento das decisões judiciais. A possibilidade de uso dessas medidas está prevista no Artigo 139, IV do CPC, que confere ao juiz a prerrogativa de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. ”
Nesse contexto, o Poder Judiciário tem implementado meios atípicos para coagir o devedor, como o bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a apreensão do passaporte e o bloqueio de cartões de crédito. No entanto, a aplicação dessas medidas é objeto de intenso debate, pois elas tocam em direitos individuais e dependem da discricionariedade do juiz na análise do caso concreto.
Apesar da previsão legal, a utilização das medidas atípicas não pode ser indiscriminada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado sobre o tema, estabelecendo critérios para a aplicação dessas medidas. No julgamento do REsp 1.864.190, a Terceira Turma do STJ estabeleceu que as medidas atípicas devem ser adotadas apenas após o esgotamento dos meios típicos de execução. Além disso, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que o juiz deve analisar as particularidades de cada situação, buscando indícios de que o devedor tem recursos para saldar a dívida, mas se recusa a fazê-lo. Ela ressaltou que “essas medidas têm como objetivo pressionar psicologicamente o devedor para que ele cumpra voluntariamente sua obrigação, e não puni-lo de forma arbitrária”.
Em contrapartida, a Quarta Turma do STJ, no julgamento do RHC 97.876, firmou precedente importante ao considerar ilegal e arbitrária a retenção de passaporte em decisão judicial sem a devida fundamentação e sem a observância do contraditório. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, enfatizou que, embora o CPC/2015 busque maior efetividade na tutela jurisdicional, essa busca não pode se sobrepor às garantias constitucionais, como a restrição injustificada de direitos individuais.
Atualmente no STJ, está afetado desde 26/04/2023 o Tema Repetitivo 1.137 com a questão submetida a julgamento delineada da seguinte forma: “Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos. ”. Porém não há qualquer previsão de julgamento do Tema, havendo determinação de suspensão de todas as ações que possuam discussão acerca deste mérito.
Em paralelo a isto, o STF, ao julgar a ADI 5.941, reconheceu a constitucionalidade do dispositivo, pois “não se pode concluir pela inconstitucionalidade de toda e qualquer hipótese de aplicação dos meios atípicos indicados na inicial, mercê de este entendimento, levado ao extremo, rechaçar quaisquer espaços de discricionariedade judicial e inviabilizar, inclusive, o exercício da jurisdição, enquanto atividade eminentemente criativa que é. Inviável, pois, pretender, apriorística e abstratamente, retirar determinadas medidas do leque de ferramentas disponíveis ao magistrado para fazer valer o provimento jurisdicional” (STF, ADI 5.941/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. 9/2/2023, DJe 28/4/2023).
Apesar das intensas polêmicas e do intenso debate jurisprudencial, observa-se que a aplicação das medidas atípicas de execução vinham sendo admitidas em diversas decisões judiciais, onde o consenso entre os tribunais é de que a sua utilização não pode ser vista como uma punição, mas sim como um último recurso para garantir a efetividade da justiça, observando requisitos rigorosos, como o esgotamento prévio dos meios típicos, a existência de indícios de que o devedor tem condições de pagar a dívida, mas se recusa a fazê-lo, e a devida fundamentação judicial, e respeitando o contraditório e a proporcionalidade da medida em relação ao caso concreto.
Atualmente, por conta da determinação de ordem de sobrestamento, diversos processos aguardam decisão acerca do Tema Repetitivo 1.137 do STJ, a discussão sobre a legalidade e os limites dessas medidas ainda está em aberto. Diversos processos aguardam a decisão do Tema Repetitivo 1.137 do STJ. Isso significa que, por enquanto, a aplicação das medidas atípicas está suspensa, aguardando uma definição clara e vinculante do Superior Tribunal de Justiça. Essa decisão será crucial para o futuro da aplicação das medidas atípicas nas execuções.
Bruna Domingos da Silva
Advogada
OAB/SC 57.865



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